terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Medos da madrugada

Tive um daqueles sonhos que fazem a gente acordar com sensação de medo. De olhos abertos, descobri que estava de barriga para cima, com a boca seca e que lá fora, muito distante, um rugido grave anunciava chuva. Pode ter sido o que me acordou.
Continuei de ouvidos aguçados e tentei voltar ao sono, mas agora um som muito mais alto me desconcentrou.  Um caminhão de lixo fazia um barulho repetido e mecânico como se um robô gigante descesse a rua, comecei a devanear neste sentido... São tantas coisas a dizer, e nenhuma delas vale a pena. O conflito do que é bom e do que é ruim, um ser dividido, cheio de medos e perturbações. A noite não podia mesmo chegar ao fim trazendo o dia, portanto, o que me restava era encarar a madrugada. 
Um nuvem gigante, cinza e avermelhada fagocitava a última e estrela e apesar da hora adiantada muitas casas tinham suas luzes acesas, algumas eram as de natal. Rajadas de vento me arrepiavam e não tardou para que o som das gotas caindo sobre os telhados me fizessem ter certeza: era trovão.
Da forma como iniciou, cessou; não tinha força para se transformar em tempestade e nem constância para se tornar um sereno. Era só a umidade excessiva do ar ou uma nuvem passageira. O ar estava fresco, quase sem odor e minhas aspirações de sonho estavam em latência até o início do próximo ano...
O medo traz essa vontade de acordar, quem sabe é só um sonho ruim! Perguntas que pareciam respondidas ganham novos pontos de interrogação.
O ruído agora é de avião, ele se perde tanto na imensidão do céu que não dá para ter noção de onde vem e se consigo visualizar me pergunto: Para onde vai? Na verdade essa é a questão básica da própria vida. Qual é o destino desse avião?
Pronto, a estrela sumiu debaixo da nuvem e agora, mais do que nunca é importante estar consciente, muito consciente para que não faça vítimas da minha mente aqueles que amo. Quisera ser uma planta ou um bichinho inocente qualquer, vivendo o êxtase da existência sem colocar em cheque qualquer som ou silêncio emitido pela noite. Ambos tem sua beleza e sua perturbação, tanto o som quanto o silêncio; eles sempre dizem alguma coisa, sempre.
Quem sou eu de fato quando estou nua, despida de meus pensamentos, imbuída de coragem e de amor? Depender de si é a maior das responsabilidades e ser responsável pela própria felicidade por si só já é o desafio para essa e outras vidas...
A estrela/planeta ressurge, é da magia do vento esse movimento das nuvens que faz esconder os itens tão distantes do universo. Tudo se move, todo corpo... assim eu posso ser; nuvem ou estrela.



sábado, 8 de dezembro de 2012

Despertar

Hoje o relógio despertou depois de mim. Ainda muito antes de seu toque eu abri os olhos, completamente descansada, como se a própria manhã viesse me chamar ao novo dia. Talvez a ansiedade, os pensamentos da noite anterior; não sei.
Abri a janela para sentir a brisa fresca da manhã e avistei uma ave remexendo as peninhas como se tivesse coceira; sorri. O sol ainda não brilhava tão forte, mas o calor me fez lembrar o litoral e os dias de praia com a família. Acordar, tomar leite com chocolate e comer pão de forma com margarina; íamos bem cedinho sempre. Na bagagem, me lembro bem: lanches, suco de lata no garrafão vermelho e água, isso não impedia de comer um bom pastel e tomar um picolé quando saíamos cansadas e salgadas do mar. A areia sempre me incomodou... Hoje não mais.
A ida era sempre de madrugada quando a estrada estava bem vazia, mas o que eu reparava mesmo era no cheiro de mato e no som dos sapinhos cantarolando. Na volta era sempre dia e era possível ver as “mariquinhas” rosadas e as calotas perdidas no acostamento. E qual não era meu contentamento quando parávamos para beber água em alguma biquinha bem fresca que, muitas vezes, abrigava uma cachoeira no meio da mata. A natureza é meu lar, lá eu volto eu sou inteira, eu pertenço e eu celebro.
Hoje eu vejo, a escola nada me ensinou só me trouxe alguns bons amigos que ainda cultivo mesmo que distante, lá está meu coração. Os verdadeiros ensinamentos eu trago de lindos momentos com meus pais, do erro e acerto, da dor e do amor.
Hoje, de olhos fechados ouvindo os passarinhos eu sei que aquela sonora melodia não pertence a qualquer um, mas ao majestoso Bem Te Vi, aquele chiado meio trêmulo é da Curruíra e aqueles dançando em conjunto como flechas pontiagudas são as andorinhas. Sei os que comem frutas e os que comem bichinhos, sei a diferença do filhote e da fêmea de muitos deles. Amo os animais mais que a mim mesma. Vejo neles a pureza, a sabedoria e a alegria. Gosto de tocá-los esse contato para mim é precioso, todos deveriam experimentar.
Aprendi a olhar para o céu a noite e admirar as estrelas, sei até onde estão algumas constelações e sei que o pontinho que se move continuamente e de repente desaparece é apenas um satélite, coisa humana e nada mais. Não deixa de ser mágico apreciá-lo. Sei pescar, mas não gosto. É preciso muito silêncio e ausência de movimento e não gosto de ver o peixe morrendo. Mas gosto do rio e da represa e de nadar na água doce. Sei que Deus não existe, só minha consciência. Sei que é preciso dizer sempre a verdade e ser honesta acima de tudo comigo mesma. Sei que todos são iguais e que não se deve sujar a rua. Esses aprendizados eu devo a meu pai. Ele não sabe, mas me ensinou muito sobre religião: respeito, simplicidade e integridade.
Sei o nome de muitas flores, muitas plantas, muitas frutas, sei a importância de saboreá-las e agradecer a cada uma por me nutrir. Sei que para acalmar é Camomila e Cidreira, e para fígado é Boldo. Conheço o cheiro do alecrim, da hortelã e da arruda. Tenho espadas de São Jorge em casa; tomo banho e acendo incenso sempre que me sinto sem energias. Sei transformar ingredientes em alimentos: bolos, doce, tortas... Sei separar e bater a clara em neve, sei o arroz, o feijão e o mingau. Ensinamentos mágicos de minha mãe. Sei lavar minhas roupas e passar também, mas para isso não tenho muita paciência.
            Sei subir em árvores, correr, cantar e dançar; esses méritos mais meus do que de qualquer um. Gosto de música, ela me inspira. Gosto de filmes, eles me tiram da realidade. Gosto de escrever concretiza minhas ideias e meus sentimentos. Gosto de cozinhar; é como mágica, alquimia, transforma meu ser como uma meditação.
            Amo dançar, é o momento mais sublime do ser em que tudo entra em equilíbrio: corpo, mente, espaço, som, deus!
            E como não pode ser proveitosa uma manhã despertada mais cedo! Saudades...