Hoje o relógio despertou
depois de mim. Ainda muito antes de seu toque eu abri os olhos, completamente
descansada, como se a própria manhã viesse me chamar ao novo dia.
Talvez a ansiedade, os pensamentos da noite anterior; não sei.
Abri a janela para sentir a brisa fresca
da manhã e avistei uma ave remexendo as peninhas como se
tivesse coceira; sorri. O sol ainda não brilhava tão forte, mas o
calor me fez lembrar o litoral e os dias de praia com a família. Acordar, tomar leite com chocolate e comer pão de forma com margarina; íamos bem cedinho sempre. Na bagagem, me lembro bem: lanches,
suco de lata no garrafão vermelho e água, isso não impedia de comer um bom pastel e tomar um picolé quando saíamos cansadas e salgadas do mar. A areia sempre me
incomodou... Hoje não mais.
A ida era sempre de madrugada quando a
estrada estava bem vazia, mas o que eu reparava mesmo era no cheiro de mato e
no som dos sapinhos cantarolando. Na volta era sempre dia e era possível ver as “mariquinhas” rosadas e as calotas
perdidas no acostamento. E qual não era meu contentamento quando parávamos para beber água em alguma
biquinha bem fresca que, muitas vezes, abrigava uma cachoeira no meio da mata.
A natureza é meu lar, lá eu volto eu sou
inteira, eu pertenço e eu celebro.
Hoje eu vejo, a escola nada me ensinou só me trouxe alguns bons amigos que ainda cultivo mesmo
que distante, lá está meu coração. Os verdadeiros ensinamentos eu trago de lindos momentos com meus
pais, do erro e acerto, da dor e do amor.
Hoje, de olhos fechados ouvindo os
passarinhos eu sei que aquela sonora melodia não pertence a qualquer um, mas ao majestoso Bem Te Vi, aquele chiado meio
trêmulo é da Curruíra e aqueles
dançando em conjunto como flechas pontiagudas são as andorinhas. Sei os que comem frutas e os que comem bichinhos, sei
a diferença do filhote e da fêmea de muitos deles. Amo os animais mais que a
mim mesma. Vejo neles a pureza, a sabedoria e a alegria. Gosto de tocá-los esse contato para mim é precioso, todos deveriam experimentar.
Aprendi a olhar para o céu a noite e
admirar as estrelas, sei até onde estão algumas constelações e sei que o
pontinho que se move continuamente e de repente desaparece é apenas um
satélite, coisa humana e nada mais. Não deixa de ser mágico apreciá-lo. Sei pescar, mas não gosto. É preciso muito
silêncio e ausência de movimento e não gosto de ver o peixe morrendo. Mas gosto do rio e da represa e de
nadar na água doce. Sei que
Deus não existe, só minha consciência. Sei que é preciso dizer sempre a verdade e ser
honesta acima de tudo comigo mesma. Sei que todos são iguais e que não se deve sujar a rua. Esses aprendizados eu devo a meu pai. Ele não sabe, mas me ensinou muito sobre religião: respeito, simplicidade e integridade.
Sei o nome de muitas flores, muitas
plantas, muitas frutas, sei a importância de saboreá-las e agradecer a cada uma por me nutrir. Sei que
para acalmar é Camomila e Cidreira, e para fígado é Boldo. Conheço o cheiro do alecrim, da hortelã e da arruda. Tenho espadas de São Jorge em casa; tomo banho e acendo incenso sempre
que me sinto sem energias. Sei transformar ingredientes em alimentos: bolos,
doce, tortas... Sei separar e bater a clara em neve, sei o arroz, o feijão e o mingau. Ensinamentos mágicos de minha mãe. Sei lavar minhas roupas e passar também, mas para isso não tenho muita paciência.
Sei subir
em árvores, correr, cantar e dançar; esses méritos mais
meus do que de qualquer um. Gosto de música, ela me inspira. Gosto de filmes, eles me tiram da realidade.
Gosto de escrever concretiza minhas ideias e meus sentimentos. Gosto de
cozinhar; é como mágica, alquimia,
transforma meu ser como uma meditação.
Amo
dançar, é o momento mais sublime do ser em que tudo entra em equilíbrio: corpo, mente, espaço, som, deus!
E como não pode ser proveitosa uma manhã despertada mais cedo! Saudades...
Estou chorando. Tenho a certeza que o que acabo de ler é o melhor indicativo da sua capacidade, principalmente a capacidade para assimilar o que realmente é importante. Com certeza sou melhor do que era há alguns minutos. Obrigado! Pápilo
ResponderExcluir